Extinção ameaça pelo menos 80 espécies de aves, répteis e anfíbios que vivem no Ceará; veja listas
Caça, desmatamento e mudanças climáticas interferem na sobrevivência dos bichos
Foto: Thabata Cavalcante/Fábio Nunes/Robson Ávila/Reprodução
Numa perda progressiva da biodiversidade cearense, a sobrevivência de 80 espécies, entre aves, répteis e anfíbios já foi arruinada ou está em algum nível de ameaça. O diagnóstico de parte da fauna do Estado indica a relevância de combater a caça e o desmatamento, além das ações para repovoamento.
São 63 espécies de aves, 6 de anfíbios e 11 de répteis prejudicadas pela interferência humana. As análises foram catalogadas em 3 listas vermelhas produzidas pelo Programa Cientista-Chefe, da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema), divulgada neste mês.
O levantamento também indica que 84 espécies estão na categoria Dados Insuficientes (DA), como contextualiza o coordenador do levantamento e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Hugo Fernandes.
“Não há dados suficientes para atestar seu status de conservação. Esse cenário indica a importância de investimento em pesquisas para investigar as populações silvestres da fauna cearense”, destaca.
Após elencar todas as espécies existentes no território cearense, os pesquisadores usam parâmetros internacionais para encaixar cada uma em categorias de conservação. Confira como estão divididas as classes analisadas e divulgadas em listas vermelhas:
AVES
Espécies analisadas: 461
Classificações: 10 estão “criticamente em perigo”, 24 “em perigo” e 17 “vulneráveis” em relação à extinção
ANFÍBIOS
Espécies analisadas: 52
Classificações: 3 tipos “ameaçados” e outros 3 como “criticamente ameaçados”
RÉPTEIS
Espécies analisadas: 111
Classificações: 2 “criticamente ameaçadas”, 7 “em perigo” e 2 “vulneráveis à extinção”
A partir dessas informações, os cientistas apontam quais espécies precisam de acompanhamento para evitar a perda da existência de tais seres. Além da beleza, esses animais realizam serviços ecossistêmicos, ou seja, desempenham funções importantes para o meio ambiente.
ANFÍBIOS
- Sapo-de-cascon (Rhinella casconi): Criticamente em Perigo
- Rã-de-maranguape (Adelophryne maranguapensis): Criticamente em Perigo
- Sapo-do-araripe: (Proceratophrys ararype): Criticamente em Perigo
RÉPTEIS
- Calango-de-baturité (Leposoma baturitensis): Em Perigo
- Calango-de-limaverde (Placosoma limaverdorum): Em Perigo
- Lagartixa-da-mata (Gonatodes humeralis): Criticamente em Perigo
- Lagarto-de-espinho (Stenocercus squarrosus): Em Perigo
- Cobra-da-terra, cobra-de-ronni (Atractus ronni): Em Perigo
- Coral-de-delema (Apostolepis thalesdelemai): Em Perigo
- Malha-de-fogo, pico-de-jaca, surucucu (Lachesis muta): Criticamente em Perigo
- Jacaré, jacaré-anão (Paleosuchus palpebrosus): Vulnerável
AVES
- Zabelê (Crypturellus zabele): Em Perigo
- Uru (Odontophorus capueira): Criticamente em Perigo
- Batuíra-bicuda (Charadrius wilsonia): Em Perigo
- Maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus): Em Perigo
- Maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla): Em Perigo
- Maçarico-de-costas-brancas (Limnodromus griseus): Em Perigo
- Trinta-réis-miúdo (Sternula antillarum): Em Perigo
- Trinta-réis-róseo (Sterna dougallii): Em Perigo
- Trinta-réis-real (Thalasseus maximus): Em Perigo
- Rabo-de-palha-de-bico-laranja (Phaethon lepturus): Em Perigo
- Grazina-da-madeira (Pterodroma madeira): Em Perigo
- Guará (Eudocimus ruber): Criticamente em Perigo
- Gavião-gato (Leptodon cayanensis): Em Perigo
- Gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus): Criticamente em Perigo
- Gavião-caranguejeiro (Buteogallus aequinoctialis): Provavelmente extinta
- Udu-de-coroa-azul, judu, comboieiro (Momotus momota): Criticamente em Perigo
- Saripoca-de-gould, tucaninho-da-serra (Selenidera gouldii): Criticamente em Perigo
- Maitaca-verde, curica (Pionus maximiliani): Provavelmente extinta
- Papagaio-verdadeiro, louro (Amazona aestiva): Em Perigo
- Cara-suja (Pyrrhura griseipectus): Em Perigo
- Jandaia-verdadeira (Aratinga jandaya): Em Perigo
- Maracanã (Primolius maracana): Em Perigo
- Aratinga-de-testa-azul (Thectocercus acuticaudatus): Provavelmente extinta
- Choquinha-lisa, pinto-da-mata (Dysithamnus mentalis): Em Perigo
- Choca-da-mata (Thamnophilus caerulescens): Em Perigo
- Chupa-dente-do-nordeste (Conopophaga cearae): Em Perigo
- Chupa-dente-de-capuz (Conopophaga roberti): Em Perigo
- Tovaca-campainha, galinha-da-mata (Chamaeza campanisona): Criticamente em Perigo
- Tangará-príncipe (Chiroxiphia pareola): Em Perigo
- Soldadinho-do-araripe, lavadeira-da-mata, levadeiro (Antilophia bokermanni): Criticamente em Perigo
- Uirapuru-laranja, guaramiranga (Pipra fasciicauda): Em Perigo
- Araponga-do-nordeste, ferreiro (Procnias averano): Criticamente em Perigo
- Capitão-de-saíra-amarelo (Attila spadiceus): Em Perigo
- Pintassilgo-do-nordeste, pintassilva (Spinus yarrellii): Criticamente em Perigo
- Trinca-ferro, estevão (Saltator similis): Em Perigo
- Saíra-militar, pintor-da-serra (Tangara cyanocephala): Em Perigo
- Saíra-douradinha (Tangara cyanoventris): Criticamente em Perigo
- Pato-do-mato, pato-da-asa-branca (Cairina moschata): Vulnerável
- Pato-de-crista, pato-putrião* (Sarkidiornis sylvicola): Vulnerável
- Jacupemba, pema (Penelope superciliaris): Vulnerável
- Jacucaca, jacu-verdadeiro (Penelope jacucaca): Vulnerável
Alguns desses bichos, inclusive, carregam o nome de territórios cearense, como a Rã-de-maranguape (Adelophryne maranguapensis), o Calango-de-baturité (Leposoma baturitensis) e o Soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni), que só existe no Ceará.
“Por mais que essas espécies tenham papéis ecológicos importantes na natureza, e apenas por isso já devessem ser protegidas, elas ainda guardam um valor de identidade cultural que não pode ser mensurado”, avalia Weber Silva, biólogo e coordenador do levantamento das aves.Em comparação, qual a importância e o valor para a humanidade do famoso quadro da Monalisa? A biodiversidade é um patrimônio que as próximas gerações têm o direito de conviver. É imoral extingui-lasWEBER SILVABiólogo
Esse patrimônio pode ser observado no caso do soldadinho-do-araripe, que é a única espécie de ave vivente exclusiva do Ceará. Outras duas foram descritas a partir de fósseis, mas já estão extintas há milhões de anos.
O bicho conhecido pela mancha vermelha habita florestas úmidas nas encostas da Chapada do Araripe, nas cidades do Crato, Barbalha e Missão Velha. “É afetado por incêndios, desmatamentos, encanamento total de fontes d’água que não respeitam a chamada vazão ecológica”, detalha Weber.
A perda dos animais tem diversos impactos e um deles é o controle de pragas. Entre os répteis e anfíbios, por exemplo, muitos se alimentam de roedores de pequeno porte e vetores de doenças, como mosquitos. Com menos bichos do tipo, há um desequilíbrio ambiental.
“Todo ser vivo tem um papel importante na dinâmica ambiental, e a extinção de qualquer uma delas pode trazer um problema ao equilíbrio, pois cada espécie serve de alimento, ao mesmo tempo que controla outras”, frisa Daniel Cassiano Lima, professor do curso de Ciências Biologicas da Uece.
Também já foi feito levantamento de mamíferos terrestres e outros bichos estão em análise. A ideia é passar um pente fino por todas as espécies viventes no Estado para formar o Livro Vermelho, que deve elencar o estado de conservação dos animais.
Isso deve servir como guia para políticas públicas para reverter o processo de perda da fauna, além de ser base para comparativos dos próximos levantamentos. Para isso, os pesquisadores consultam bases de dados, pesquisas acadêmicas e usam parâmetros internacionais.
Como reverter esse quadro?
O levantamento do estado de conservação das espécies é um primeiro passo para elaborar políticas públicas voltadas à sustentabilidade. Com as informações, os pesquisadores conseguem traçar estratégias específicas para atender cada tipo de bicho.
“Planos de conservação da biodiversidade têm sido desenvolvidos em âmbito global e federal. É chegada a hora de termos os equivalentes estaduais, construídos de forma participativa, incluindo desde cientistas e comunidades tradicionais até os setores industriais”, completa Weber.
Esse esforço conjunto, além de compreender diversos setores da sociedade, precisa ser estabelecido para resultados a longo prazo. E a Lista Vermelha será crucial para entender os ganhos ou perdas nas próximas décadas.
“Tais acordos sintetizados nestes documentos devem indicar prazos, custos e responsáveis por sua condução. Além disso, as tendências populacionais destas espécies serão os indicadores de sucesso desses planos. Para isso, serão necessários monitoramentos amplos envolvendo biólogos e profissionais afins”, conclui.
As ações precisam ser adotadas também entre a população no respeito à preservação ambiental, como completa Daniel Lima. “É necessário que essas ações sejam acolhidas pela sociedade, através da adoção de ações ambientalmente sustentáveis, que promovam a conservação das diversas fitofisionomias (tipos de vegetação) do Estado”.Dessa forma, problemas como o desmatamento, queimadas (broca), desertificação, entre outrous poderão ser contidos, e isso beneficia não apenas répteis e anfíbios, mas toda a biodiversidadeDANIEL CASSIANO LIMAProfessor
Como são feitos os levantamentos
Há cerca de 5 anos começaram as articulações para a produção das listas vermelhas de espécies ameaçadas no Ceará. Em 2019 foram realizadas as primeiras reuniões e a portaria para a definição da análise foi publicada no ano seguinte.Esse é um processo complexo que dá início no apanhado de publicações acadêmicas, como teses e dissertações, dos animais presentes no Ceará. Participam instituições públicas e privadas, como universidades, organizações não governamentais e institutos ambientais.
“Tivemos que buscar informações em museus e coleções não só no Ceará, como fora do Brasil, documentos históricos. O trabalho de levantamento prévio foi muito grande para gerar a lista e saber o que tem”, contou Hugo Fernandes ao Diário do Nordeste.
A partir daí foram elaborados inventários de todas as espécies presentes no território cearense para, então, classificá-las quanto ao status de conservação. Isso é feito com um método internacional.
“A gente reúne informações biológicas e ecológicas disponíveis sobre cada uma delas, uma base de dados, e para cada espécie a gente utiliza um roteiro metodológico, um protocolo elaborado pela International Union for Conservation of Nature (IUCN)”, destaca.
O coordenador contextualizou que são feitas várias rodadas com especialistas de atuação nacional e internacional. Também é feita uma audiência pública antes de definir o estado de conservação das espécies.
Parte considerável das espécies analisadas foram classificadas como data deficiente (DD) ou dados insuficientes na tradução do inglês.
“Nós tivemos um índice de DD alto, quase 20% das espécies, o que significa que o Estado do Ceará precisa investir muito em ciência básica para entender quais espécies temos, dados biológicos e ecológicos básicos, para que a gente consiga de fato determinar o estado de conservação”, apontou Hugo.