Fim da violência contra a mulher passa pela superação do machismo

Foto:Reprodução

A violência contra a mulher só será totalmente superada com o combate à cultura machista. Essa é a avaliação da pesquisadora do Observatório da Violência contra a Mulher (Observem), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Daniele Alves. “As políticas devem ser além de punitivas. Elas têm que ter esse viés educativo, de transformação de crenças, de valores, de normas. Porque o machismo é arraigado na nossa sociedade”, comenta.

Daniele avalia ainda que a situação no Ceará é mais grave por ter identificado, nas pesquisas que realiza, o que ela chama de “alta intensidade patriarcal”. “Porque no Ceará é muito mais arraigada essa ideia do ‘cabra macho’ (…) e de que a mulher deve ser submissa”, explica.

E isso se reflete nas estatísticas. Segundo dados do Monitor da Violência, o Ceará foi o quinto estado com maior número de homicídios de mulheres, com 5,5 casos por 100 mil habitantes em 2022. Além disso, dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) apontam um crescimento no número de vítimas atendidas do gênero feminino em razão da Lei Maria da Penha: foram 19.407 casos registrados em 2022 contra 13.371 em 2015 – um crescimento de 45% no período.

Na avaliação de Daniele, o aumento das denúncias pode ser explicado tanto pelo aumento de casos como pela maior conscientização. “Houve um processo de publicização em relação à violência contra a mulher desde 2006, com a Lei Maria da Penha. Houve todo um processo também de encorajamento das mulheres em denunciar (…) mas compreendemos também que houve um aumento da violência contra a mulher”, avalia.

Na sonora abaixo, Daniele Alves explica que, geralmente, a violência contra a mulher cresce até chegar a situações graves:

Além disso, a pesquisadora ressalta que há diferenças nas formas de violência dependendo também de raça e classe social. “As mulheres negras sofrem muito a violência (…) São vidas que a gente pode chamar de precarizadas, mulheres em situação de pobreza, muitas mães solos e há todas essas duplas ou triplas violências que essas mulheres sofrem”, comenta.

IMPORTÂNCIA DA PREVENÇÃO 

 Além das medidas de punição aos agressores, Daniele Alves considera como vitais políticas de prevenção à violência de gênero. E isso passa por ações de conscientização em espaços frequentados pelas mulheres, como escolas, unidades básicas de saúde e igrejas.

Além desses espaços públicos, a pesquisadora enfatiza a necessidade de intervir também no âmbito privado quando for necessário. “Desde a década de 1980 a gente vem discutindo em relação a isso: ‘Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher?’ Mete (…) quando há situação de violência, o Estado deve amparar essas mulheres, deve entrar sim nesse âmbito privado no sentido educativo”, pontua.

Daniele Alves explica como o machismo também está inserido no modo como as mulheres são socializadas:

GARGALOS

Atualmente, há uma rede de atendimento às mulheres vítimas de violência, como as casas da Mulher Brasileira e Cearense e as delegacias especializadas. Porém, a mulher em busca de atendimento ainda esbarra em alguns entraves, como a centralização desses serviços e a grande demanda por atendimento.

“Os avanços ainda são muito recentes. Já conquistamos muito? Conquistamos. Mas é necessário conquistar muito mais casas de mulheres, mais delegacias especializadas, mais centros de referência que atendam essas mulheres”, defende Daniele.

Outro aspecto considerado preocupante pela pesquisadora é a efetividade das medidas protetivas, pois, muitas vezes, elas não protegem de fato as mulheres que podem ser vítimas de mais violência. “Quando a mulher entra em medida protetiva, ela está em iminência de morte. Nos casos de feminicídio, no contexto do Ceará, essas mulheres, muitas vezes, não tinham medidas protetivas. E chegou o ápice, que foi o feminicídio”, contextualiza. Assim, Daniele Alves propõe que aparatos de segurança sejam fortalecidos, como rondas periódicas de policiais em regiões onde há mulheres ameaçadas. E isso poderia ser feito, sugere, com a expansão da Ronda Maria da Penha, por exemplo.

A pesquisadora também cita os diferentes aspectos que devem ser levados em conta para proteger e amparar a mulher vítima de violência:

MULHERES TRANS 

Outro contexto que precisa de mais ações, na avaliação da estudiosa, é a violência contra as mulheres transgênero. “(As políticas públicas) Ainda são ínfimas (…) inclusive de capacitação dos profissionais para trabalhar com mulheres trans. Então, se para as mulheres cis já é recente, para as mulheres trans o desafio ainda é maior, porque vivemos numa sociedade preconceituosa ao extremo”, lamenta. Ela cita, como exemplo de políticas voltadas a esse público, o Centro de Referência LGBT+ Thina Rodrigues e o Serviço Ambulatorial Transdiciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans).

SOBRE O OBSERVATÓRIO

O Observem é um espaço de monitoramento das condições de vida da mulher cearense e da violência de gênero. Ele tem como um dos objetivos acompanhar as políticas públicas e sociais desenvolvidas local e nacionalmente, principalmente no tocante à efetivação da Lei Maria da Penha e às formas de discriminação contra as mulheres. O Observatório foi criado pelo Grupo de Pesquisa Gênero, Família e Geração nas Políticas Sociais vinculado ao CNPQ e ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece). 

PROJETOS NA ALECE 

A prevenção da violência contra a mulher tem sido uma das pautas mais importantes discutidas na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) nos últimos anos. E na atual legislatura não é diferente. Diversos projetos de lei já foram apresentados com o intuito de prevenir a violência de gênero.

Entre as iniciativas está o projeto de lei nº 44/23, do deputado Marcos Sobreira (PDT), que torna obrigatório disponibilizar, no ato da matrícula escolar, formulário para a denúncia de violência doméstica familiar contra a mulher nas unidades de ensino da rede pública e privada.

“Ainda há no País um alarmante número de vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, a utilização de meios que informem os cidadãos sobre o combate a qualquer forma de violência é essencial para a garantia de direitos e para a diminuição do número de vítimas”, avalia o parlamentar na justificativa do projeto.

Outra proposta apresentada é o projeto de lei nº 126/23, dos deputados Nizo Costa (PT) e Larissa Gaspar (PT), que prevê a divulgação de mensagens de combate à violência contra a mulher durante a realização de eventos esportivos nos estádios, areninhas, quadras poliesportivas e recreação localizados no Ceará. “A propositura decorre da necessidade de uma postura ativa na comunicação de casos de violência doméstica para evitar e coibir a prática de abusos de qualquer natureza, visando a efetivar a garantia de proteção e segurança da mulher”, avalia Nizo Costa.

Esta matéria encerra a série especial produzida pela Agência de Notícias para discutir sobre a violência contra a mulher e a busca pela superação desse fenômeno. Na primeira reportagem da série, foram mostrados os números da violência no Ceará e no Brasil e a iniciativa de deputados para a criação do “Dossiê Mulher”, que consiste na sistematização periódica de estatísticas sobre as mulheres vítimas de violência. Na segunda matéria, foram apresentadas as políticas de apoio e atendimento às vítimas. E, na terceira, o apoio dos parlamentos nessa luta, seja por meio da produção de leis seja na disponibilização de instrumentos que auxiliam na formulação de políticas públicas de igualdade de gênero e atendimento às vítimas da violência.

A série contou com reportagens dos jornalistas Bárbara Danthéias, Gleydson Silva e Geimison Maia; fotos de Dário Gabriel, Marcus Moura e Junior Pio; produção e edição de Clara Guimarães; revisão de Carmem Ciene, coordenação de Lusiana Freire e arte do Núcleo de Publicidade Institucional da Agência de Notícias.

Fonte da matéria:https://www.al.ce.gov.br

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