Como evitar que escola de Sobral onde ocorreu ataque seja estigmatizada?

Profissionais da educação definem quando as aulas devem ser retomadas e buscam manter a escola como espaço de mudança social

Foto: Kid Júnior

Voltar à Escola Professora Carmosina Ferreira Gomes, em Sobral, é ato feito em passos cautelosos por estudantes e funcionários, nesta terça-feira (11). É o primeiro dia de atividades após um ataque, no qual um dos estudante disparou contra outros 3 alunos, provocando a morte de um e deixando 2 feridos. A unidade escolar, que há mais 40 anos existe em um bairro da periferia, dentre tantos outros desafio, agora tem um que se destaca: como enfrentar e evitar o estigma?

A possivel associação da escola com violência é tema de reuniões entre profissionais da educação, que planejam acolhimento e suporte psicológico dos alunos e profissionais nesse retorno. Além disso, reforma na estrutura e parceria com agentes policiais devem ser medidas para transmitir segurança.

A missão de reacender a imagem da unidade educacional como um espaço transformador foi destacada por Daniel Carlos da Costa, gestor da Coordenadoria Regional do Desenvolvimento da Educação 6, num encontro com profissionais da educação.O mais importante é a gente desconstruir a imagem de que porque foi nessa escola e nesse bairro que isso aconteceu. A escola não pode ser discriminada e nós precisamos desconstruir isso para que não tenhamos a comunidade querendo ir para escola de outro bairroDANIEL CARLOS DA COSTAGestor da Crede 6

O diretor da escola Jorge Célio Coelho Aguiar sabe que a missão do atual contexto é árdua. Em conversa com o Diário do Nordeste, ele ressalta a preocupação para evitar títulos violentos atribuídos à escola.

“O que nós podemos fazer? É acentuar e melhorar a qualidade no atendimento ao público. O que é ofertado seja em trabalho social ou oferecendo psicólogos para os alunos e família que estiverem necessitando”, destaca.

Jorge conta que recebeu oferta de suporte pela Prefeitura de Sobral e por Organizações Não-Governamentais. Além disso, um encontro com lideranças comunitárias foi realizado. “Eu estou pedindo ajuda e estou conseguindo, graças a Deus. E nós vamos melhorar o atendimento, a alimentação e o acolhimento”, detalha.

Daniel Carlos também frisou a importância de manter a confiança dos estudantes e da comunidade para o retorno às aulas. “Eu sei que isso nos abala e traz preocupação e medo, é natural porque somos humanos, precisamos ficar plenos e para isso vamos precisar de ajuda”, destacou.

Esse auxílio começou de forma imediata com atendimento psicológico da equipe escolar. “Iniciamos o acolhimento com os profissionais da escola logo após o ocorrido, o time da psicologia da escola, do qual eu tenho muito orgulho, vem fazendo esse trabalho”, completou.

Além disso, a escola deve receber algumas reformas estruturais para deixar os muros mais altos e será feita uma adequação da quadra, inclusive com nova pintura, para a otimização do espaço onde são praticados esportes.

O Comando da Polícia Militar para a Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac) também deve contribuir para aumentar a segurança de quem passa perto da escola. Isso por meio de uma atuação nas proximidades da unidade de ensino.

“Aquela ideia de que a polícia senta na calçada e conversa com as pessoas. É uma polícia cidadã que vai estar na entrada, até porque os pais me perguntam o que eu iria fazer para dar segurança”, completa Jorge.A escola é um espaço de segurança. Quando a gente deixa o filho lá, a gente diz: ‘ah agora eu posso ir trabalhar tranquilo, meu filho está seguro na escola’. Então, a escola é espaço de segurança e a Copac vai estar na entrada e na saída dos meninos, todo santo diaJORGE CÉLIO COELHO AGUIARDiretor da escola

PROGRAMAS JÁ EM EXECUÇÃO

Daniel frisou a relevância de manter os estudantes próximos dos profissionais da educação por meio de programas educativos já em execução na unidade.

São exemplos o ciclo de construção de paz, o Professor Diretor de Turma, que faz atendimento individual dos estudantes, e o debate sobre competências socioemocionais.

“A escola de tempo integral é importante, porque oportuniza mais aprendizagem, muito além do acadêmico. O nosso aluno está chegando com outras necessidades e precisamos dar acolhimento”, concluiu.

O adolescente autor dos disparos foi apreendido por policiais, mas não há informações sobre onde o jovem está no momento porque o caso tramita em segredo de Justiça, como informou o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).

“O Judiciário cearense, por meio do Juízo da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Sobral, tem participado de reuniões com órgãos e instituições públicas com o objetivo de promoção e garantia de direitos”, acrescentou.

COMO DEVE SER FEITO?

É preciso um esforço conjunto entre profissionais da educação, famílias e autoridades para a retomada das atividades na escola. Os impactos sociais e emocionais devem receber atenção do grupo para uma reinserção positiva da comunidade. 

Algumas pessoas, por exemplo, podem desenvolver transtorno de estresse pós-traumático, que pode vir acompanhado de crises de ansiedade e de pânico, como contextualiza a psicóloga Carolina Ramos, terapeuta cognitivo comportamental

“É um trabalho de acolhimento, porque são pessoas mais vulneráveis, estão com medo e a escola precisa passar essa segurança maior tanto para alunos como professores”, destaca.

O caso deixa evidente a necessidade de incentivar as habilidades emocionais dos estudantes para evitar casos de violência. Nessa idade, os jovens buscam aprovação, aceitação e pertencimento, como lista a especialista.

“Fazer com que crianças e jovens consigam se expressar emocionalmente, porque realmente fica complicado da escola dar conta do que cada um está passando em casa ou com outros colegas, mas pode fazer essa intervenção educacional”, completa.Esquecer é algo muito forte para algo que aconteceu recentemente, mas diria que aos poucos as pessoas vão tentando superar essas sequelas emocionais do incidenteCAROLINA RAMOSPsicóloga

Isso aliado às ações contínuas como projeto de prevenção às práticas violentas, como propõe o professor universitário, Harley Gomes de Sousa, membro do Laboratório de Conflitualidades e Violência (Covio) na Universidade Estadual do Ceará (Uece).

“Para além de acolher os alunos e familiares envolvidos no fatídico, é importante que a escola potencialize o trabalho por meio das discussões na escola, envolvendo toda comunidade”, completa.O episódio na escola de Sobral é mais uma alerta para os prejuízos irreversíveis que caminha a sociedade armada, onde o monopólio legítimo do uso da força, competência exclusiva do Estado, sendo outorgado à comunidade pela flexibilização das armas com justificativas equivocadas de defesa pessoalHARLEY DE SOUSAProfessor universitário

Harley destaca a participação do Poder Público na função de fortalecer políticas públicas de prevenção às práticas violentas, dos conflitos, do cuidar da comunidade, como lista.

“É imprescindível a inserção da comunidade no diálogo sobre violência, conflito, bullying, respeito, cidadania, preconceito dentre outros temas no currículo e ações pedagógicas que possibilitem reflexões”, completa.

Nesse momento em que a comunidade escolar e os moradores do entorno ainda sentem o impacto recente do caso, Daniel Carlos busca transmitir segurança.

“Quero dizer a todos os gestores do município de Sobral que estamos confiantes para a retomada dos nossos trabalhos, sei que esse evento nos desafia e pode até tremer a nossa crença da mudança social por meio da escola, mas não podemos nos perder disso”.

Fonte:https://diariodonordeste.verdesmares.com.br

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