Saúde, arte e ressocialização: Centro de Convivência Antônio Diogo completa 95 anos de atuação contra hanseníase

Levi Aguiar – Ascom Sesa – Texto
Carlos Alberto Jr. – Sesa – Foto

Centro de Convivência Antônio Diogo completa 95 anos de atuação contra a hanseníase

As histórias de pessoas com hanseníase no Ceará foram marcadas, durante muitas décadas, pela solidão e pelo preconceito. Nos dias atuais, o tratamento dado a esses pacientes é caracterizado pela humanização e evolução da assistência clínica. Um exemplo dessa atuação é a realizada no Centro de Convivência Antônio Diogo (CCAD), em Redenção, que completa 95 anos de existência, na quarta-feira (9). O local é o mais antigo equipamento vinculado à Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), que conta com serviço ambulatorial de dermatologia e promoção da reabilitação física e social de pacientes e pessoas com sequelas da doença. O espaço também abriga o Memorial Leprosaria Canafístula e a Colônia Antônio Diogo.

Durante a sua fundação, em 1928, o Centro era conhecido como “Leprosaria Canafístula”, o primeiro “leprosário” do Estado. O termo vem da palavra lepra, nomenclatura da hanseníase que caiu em desuso pela carga de preconceito que carregava. Historicamente, esse tipo de local era usado para isolar pessoas com hanseníase. Naquela época, os pacientes eram separados das famílias e internados de maneira compulsória. “Assim que eu recebi o diagnóstico, com dez anos de idade, eu fui mandada para cá. Tudo o que passei na Colônia, no começo, foi muito doloroso. Todos nós nos sentíamos muito excluídos do mundo lá fora. A gente não podia sair daqui, não podia ver ninguém”, conta Sônia Santos (61), paciente curada da hanseníase e moradora da Colônia Antônio Diogo.

Sônia Santos (61) chegou em Antônio Diogo com 10 anos de idade: ‘no começo, foi muito doloroso’

Apesar das mudanças na forma de lidar com as pessoas com hanseníase, Sônia aponta sonhos que foram deixados para trás por causa das sequelas da doença. Ela, que tem uma paixão pela dança, evita se expressar através dos passos e do gingado do forró. “Eu não danço porque eu cresci com muita vergonha, principalmente por causa das minhas mãos. Quando eu cheguei aqui, eu andava com uma toalhinha na mão para que ninguém as visse. Eu tinha muita vergonha. Hoje, eu adoro sair para ver o pessoal dançar. Tem gente que dança bem e é lindo demais. É o melhor divertimento que tem”, conta.

Apesar da internação compulsória, do distanciamento da família e dos anos de vida em isolamento, ela olha para o presente com esperança e alegria: “Eu não me sinto mais alguém com hanseníase, porque eu cumpri com todo o tratamento oferecido no Centro e estou curada. Hoje em dia, é muito bom morar aqui [na Colônia]. Nós somos organizados e somos livres, afinal os pacientes com a doença não precisam mais ficar internados contra a vontade. Hoje, sou mãe, avó e muito feliz”, explica Sônia.

O Centro de Convivência Antônio Diogo (CCAD) é composto por enfermarias, pavilhões, campo de futebol, lanchonete e cemitério

Atualmente, a Colônia é constituída por 65 casas, três ruas e 140 moradores. Deste número de residentes, 17 são pacientes da época da internação compulsória, que só em 1962 deixou de ser regra. Além disso, o complexo é composto por enfermarias, pavilhões, campo de futebol, lanchonete e cemitério. Com os avanços da pesquisa e o desenvolvimento de terapias, o tratamento contra a hanseníase passou a ser visto sob um novo olhar.

Ambulatório de atendimento especializado em dermatologia

Os pacientes atendidos pelo ambulatório de dermatologia do Centro de Convivência chegam à unidade através da regulação do sistema de saúde, que se inicia nos municípios de origem. Os atendimentos são realizados todas as sextas-feiras. No ano de 2021, o equipamento realizou um total de 1.022 atendimentos. Já em 2022, foram realizados 927.

A assistente social do ambulatório, Elionária Lima, explica que quando o paciente chega ao Centro de Convivência, após o encaminhamento do município, ele é recebido pela recepção, encaminhado à enfermaria e atendido por uma médica. “Todos os procedimentos seguintes vão depender dos encaminhamentos dos profissionais de saúde, que analisaram o caso do paciente. Se houver desconfiança em relação à hanseníase, ele passa por exames específicos e recebe o suporte imediatamente no Centro e no município de origem”, detalha.

A partir do diagnóstico positivo, o paciente receberá todas as orientações sobre os cuidados necessários para a cura do caso. O ambulatório clínico promove consultas de enfermagem, atendimentos especializados, prevenção de incapacidades, avaliação neurológica simplificada, além de exames específicos como a coleta de linfa, a biópsia e o micológico.

“Se o paciente estiver com o diagnóstico positivo para a hanseníase, ele receberá a prescrição dos medicamentos e retornará para o município de origem com o direcionamento para continuar o tratamento em casa. Além disso, ele passa a ter a porta aberta para seguir com o tratamento no CCAD, em caso de reações adversas aos medicamentos”, complementa o diretor-geral do Centro de Convivência, Assis Guedes.

A história da hanseníase e o Memorial Leprosaria Canafístula

O Memorial Leprosaria Canafístula é um equipamento cultural criado com o objetivo de resgatar a memória de quase um século de tratamento de hanseníase no Ceará. O espaço possui sete salas, com exposições de documentos históricos, registros de jornais e objetos que foram guardados ao longo do tempo.

Memorial tem o objetivo de resgatar a memória de quase um século de tratamento de hanseníase no Ceará

As salas também abrigam produções como fotografias, obras de arte e histórias daqueles que passaram por ali. Os registros mostram a diversão e a interação dos pacientes e moradores da Colônia, retratando a sociabilidade, diversão, participação em rádio comunitária, time de futebol, oficinas de pintura e peças teatrais.

Imagens contam a história da Instituição e remontam os traços da hanseníase dentro do Ceará

“O Memorial conta a história da Instituição e remonta os traços da hanseníase dentro do Ceará. As salas mostram o medo que a sociedade tinha dos enfermos e de contrair a doença. Apesar de toda a dor e sofrimento advindos das internações compulsórias, as pessoas que estavam aqui conseguiram ressignificar suas vidas, ter suas convivências e constituir família”, relata o diretor-geral do Centro.

Fotografias mostram momentos de diversão, como no time de futebol, nas oficinas de pintura e nas peças teatrais

Assis explica que um dos objetos de maior sensibilização com relação à vida das pessoas internadas no antigo leprosário é a peça intitulada de “Presenças Ausentes”, feita para relembrar os filhos separados dos pais, durante o período de internação compulsória. “O que causa mais impacto é o monumento dos filhos separados, porque representa uma dor de vidas. Os filhos eram separados dos pais na hora do parto. Os pais não sabiam nem o sexo do bebê. A escultura foi feita para retratar o sentimento dos moradores da Colônia”, conta Assis Guedes.

Além do Ambulatório e do Memorial, o CCAD incorporou em seu cronograma semanal ações de ressocialização para pacientes com hanseníase ou com sequelas da doença. O trabalho é feito pelo Grupo Coração de Jesus, composto por fisioterapeutas, enfermeiras, assistentes sociais e pedagogas. A metodologia do grupo é pautada em quatro eixos: socioeducativo, arteterapia, gerontomotricidade e resgate das experiências vividas.

Sobre a hanseníase

A hanseníase é uma doença infecciosa de evolução lenta e causada pelo bacilo de Hansen, uma micobactéria com afinidade por células da pele e dos nervos. O bacilo se propaga por via respiratória, em gotículas de saliva expelidas durante a fala, espirro ou tosse, mas é necessário contato próximo e frequente ou prolongado com um doente não tratado para se infectar.

“A cada dez pessoas que entram em contato com o bacilo, apenas uma desenvolve a doença. Não ocorre transmissão por objetos ou pele”, explica a articuladora dos programas tuberculose e hanseníase da Sesa, Yolanda Morano.

No Brasil, a hanseníase ainda é considerada um grave problema de saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019 foram notificados 202.185 novos casos de hanseníase globalmente, o que corresponde a uma taxa de detecção de 25,9 casos por um milhão de habitantes. Nesse sentido, cerca de 80% dos casos novos do mundo ocorreram em apenas três países: Índia (56,6% dos casos), Brasil (13,8%) e Indonésia (8,6%).

A articuladora do programa de hanseníase explica que o tratamento precoce e o acompanhamento adequado diminuem o risco de potencial incapacitante. “A desigualdade social ainda faz com que a hanseníase seja uma doença relevante. Todo problema que temos de saúde pública, saneamento e pessoas vivendo em locais muito aglomerados, leva ao aumento de uma doença transmissível”.

“Ao final de todo o tratamento o paciente atinge a cura. Os pacientes podem buscar tratamento nas unidades de saúde mais próximas de casa. A poliquimioterapia única (PQT-U) é o tratamento instituído e entregue em cartelas mensais com três antibióticos; Deve ser disponibilizada em todas as unidades de saúde”, finaliza Yolanda.

Fonte da matéria:https://www.ceara.gov.br

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