Alegria, alívio e preocupação por familiares e amigos marcam relatos de repatriados de Gaza
Recepcionados pelo presidente na Base Aérea, passageiros descreveram tristezas e restrições da zona de guerra e ouviram que o país seguirá nas ações de resgate de brasileiros
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Alívio por deixar uma zona de guerra. Saudades de parentes e amigos que ficaram para trás. Esperança de uma nova vida sem bombardeios como parte da rotina. Alegria por voltar a uma realidade em que água, pão e gás de cozinha não sejam itens de luxo.
Recepcionados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na chegada à Base Aérea de Brasília, na noite desta segunda-feira, 13 de novembro, muitos dos 32 passageiros vindos de Gaza relataram um pouco do que viveram nos últimos 37 dias. Nesse período, eles aguardavam permissões de autoridades israelenses, palestinas e egípcias para cruzar a fronteira de Rafah e integrar a Operação Voltando em Paz. A ação do Governo Federal já resgatou 1.477 brasileiros da zona de conflito no Oriente Médio em voos da Força Aérea.
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CASAMENTO E GUERRA – Um dos porta-vozes do grupo durante muitos dos momentos de aflição, Hasan Rabee já havia conversado por telefone com o presidente Lula de Khan Yunis, no Sul de Gaza. Ao descer do avião presidencial, ele conheceu o presidente pessoalmente já no desembarque. Lula lembrou a história de Hasan na conversa com jornalistas. “Ele foi a um casamento da irmã na Faixa de Gaza e depois de três dias lá, depois do casamento, aconteceram os ataques e ele ficou preso. Tive a oportunidade de falar por telefone com ele e prometi que a gente iria fazer todo o esforço para trazer todas as pessoas que quisessem vir ao Brasil”, recordou Lula.
“Foram 37 dias de muito sofrimento. Às vezes a gente passava fome e sede porque acabava a comida para comprar. Queria agradecer muito a Embaixada do Brasil em Ramala. Eles deram bastante suporte. Alimentação, recursos para comida, gás, apoio médico, psicológico. A gente está muito alegre com essa volta, porque a gente estava no pior lugar do mundo”, prosseguiu.
Entre todos os momentos de tristeza trazidos pela guerra, uma lembrança, em particular, seguirá com Hasan como alento nessa repatriação. “Quando a gente saiu de Gaza, fomos a Al Arish almoçar lá. O restaurante estava no caminho do mar. Quando a gente desceu para tirar fotos, as crianças ficaram loucas. Eram 37 dias presas. Eles ficaram correndo na praia para brincar, jogar. Esse momento foi, para mim, emocionante”, recordou.
Hasan agora faz planos de retomar a vida em São Paulo, ao mesmo tempo em que mantém a esperança de que familiares possas ser resgatados. “Meu plano é voltar para o meu trabalho, cuidar da família que está aqui e trazer a família que ficou lá”, adiantou.
MEDO CONSTANTE – Mahmoud Abuhaloub desembarcou em Brasília trazendo no coração um misto de sentimentos. “Vou falar primeiro sobre a situação na Faixa de Gaza. Foi terrível. Medo sempre contigo. Quando dormindo, quando acordado, quando andando na rua. Não tem lugar seguro. Não só conosco, com nossas famílias, com tudo”, resumiu.
Em segurança no Brasil, Abuhaloub já sabe o que vai fazer: retornar ao Rio Grande do Sul e recomeçar. Assim como outros repatriados, contudo, ele não esconde que até o fim do conflito seu coração seguirá angustiado por aqueles que ficaram. “Seu corpo já está relaxado, mas sua mente e coração, não. Ainda tenho irmãos, sobrinhos ficando. Estou preocupado por isso. Vou para o Rio Grande do Sul porque morei lá, tenho meu filho lá também. Eu tenho que voltar para Porto Alegre”, disse Mahmoud Abuhaloub.Hasan Rabee retornou com a esposa e os dois filhos: recomeço da vida em São Paulo e tentativa de resgatar familiares que ficaram. Foto: Ricardo Stuckert / PR
LUTO E ESPERANÇA – A história da brasileira Shahd Albanna, que desceu do avião ao lado da irmã fazendo questão de portar a bandeira do Brasil, é marcada por luto, resiliência, sofrimento, medo e, agora, esperança de um futuro de paz.
“Sou brasileira e morava na Faixa de Gaza por um ano e meio. Fui para lá porque minha mãe teve câncer, estava passando mal e queria voltar para Gaza para se despedir da família lá. Infelizmente, ela faleceu quando chegamos”, lembrou.
Assim como Hassan, ela torce para que os familiares em Gaza possam em breve juntarem-se a ela no Brasil. “Além de estar feliz, a gente também está preocupada com os familiares. Eu já perdi muitos. Já perdi amigas. Perdi a minha casa. Foi destruída. Queria muito poder ajudar a retirar o resto dos nossos familiares de lá. Espero que a gente vá conseguir”.
NINGUÉM PARA TRÁS – Atento aos relatos dos brasileiros, o presidente Lula festejou o sucesso da missão e prometeu manter o empenho na repatriação de brasileiros e parentes que queiram refazer a vida no Brasil. “Hoje é um dia de felicidade. A gente está recebendo 32 seres humanos que já viveram em paz, que sabem o que é a paz, que sabem o que é harmonia, e não precisavam viver no inferno que viveram durante esses últimos 37 dias. Nós não vamos deixar nenhum brasileiro que queira voltar ficar lá. Mesmo que seja nascido lá, palestino de origem. A gente vai buscar se os parentes pedirem. É um compromisso que fizemos”, afirmou o presidente Lula.
ACOLHIMENTO – Para garantir que o brasileiros repatriados sigam em paz, uma operação de acolhimento foi montada pelo Governo Federal, com suportes na área de saúde, de documentação e de assistência social. Eles vão ficar 48 horas numa estrutura da Força Aérea Brasileira em Brasília. Terão acesso a exames de rotina, vacinação para as crianças, emissão de documentos de regularização e alimentação de qualidade e adaptada. Segundo a tenente Thais Nascimento Costa, que compôs a equipe de saúde no voo de resgate dos brasileiros em Gaza, o estado psicológico deles exige essa atenção. “Eles passaram por um período difícil, sem água, sem comida. Foram tirados de suas casas. Estão bem fisicamente, mas precisam de cuidado para conseguirem daqui para frente continuar”, resumiu.
DÉCIMO VOO – Desde o início do conflito, a Operação Voltando em Paz repatriou 1.477 passageiros, além de permitir o embarque de 53 animais domésticos resgatados de Israel, da Cisjordânia e de Gaza em cinco aeronaves da Força Aérea Brasileira modelos VC-2, KC-30 (Airbus A330 200) e KC-390 Millennium (Embraer). As missões contaram com o trabalho de cerca de 150 militares e 37 profissionais de saúde (13 médicos, nove psicólogos e 15 enfermeiros) envolvidos na logística. Durante os dez voos, mais de três mil refeições foram servidas em um total de 315 horas de voos que cruzaram o espaço aéreo de 16 países.
Por: Planalto
Fonte da matéria:https://www.gov.br/pt-br